Skip to main content

A lesão do Ligamento Cruzado Anterior (LCA) e sua subsequente reconstrução (ACLR) representam um desafio significativo para atletas que desejam retornar ao esporte (RTS). Embora o uso de medidas funcionais objetivas no processo de decisão para o RTS seja um avanço importante, muitos atletas ainda enfrentam um risco considerável de nova lesão. A recuperação da força dos isquiotibiais e quadríceps, juntamente com a restauração da relação isquiotibiais/quadríceps (relação H/Q), é uma preocupação central após a ACLR. Este artigo de pesquisa, “Hamstrings and Quadriceps Weaknesses Following Anterior Cruciate Ligament Reconstruction Persist Up to 6 Months After Return-to-Sport: An Angle-specific Strength Analysis”, oferece insights valiosos sobre essas questões.

Apesar da reabilitação e do “ok” para o retorno ao esporte, uma parcela significativa de atletas com ACLR ainda apresenta assimetrias de força muscular. Estudos indicam que até 46% dos pacientes com ACLR voltam a praticar esportes com assimetrias de força nos isquiotibiais e quadríceps. O que não estava claro é se essas assimetrias se resolveriam espontaneamente nos meses seguintes ao RTS sem intervenções adicionais. O estudo que abordaremos aqui destaca a importância de análises mais detalhadas, como as análises ângulo-específicas, que podem revelar déficits que as avaliações tradicionais, baseadas apenas em valores de pico, podem mascarar.

Objetivo

Investigar os perfis de momento-ângulo e os perfis de relação H/Q ângulo-específicos em atletas com ACLR no momento do RTS. Para avaliar o valor adicional das análises ângulo-específicas em comparação com as medidas baseadas em pico, também foram analisados os momentos de pico dos isquiotibiais e quadríceps, e as relações H/Q baseadas em pico. A hipótese era que as análises ângulo-específicas revelariam mais deficiências de força em comparação com as avaliações baseadas em pico.

Outro objetivo do estudo era avaliar se as assimetrias de força identificadas no momento do RTS persistiriam após seis meses. A hipótese era que parte das deficiências de força persistiria apesar do RTS.

Participantes

  • Grupo ACLR: Vinte atletas que passaram por ACLR (com autoenxerto de semitendíneo ipsilateral) foram recrutados. Eles completaram a reabilitação com seus próprios fisioterapeutas e foram liberados pelo cirurgião para reiniciar o treinamento. Os testes de força isocinética foram realizados três vezes no grupo ACLR: no momento do RTS (262 ± 60 dias pós-cirurgia), três meses pós-RTS e seis meses pós-RTS.
  • Grupo Controle: Vinte atletas controle, sem histórico de lesão de LCA ou lesão nos membros inferiores nos seis meses anteriores, também foram recrutados e testados uma única vez. Ambos os grupos eram compostos por atletas competitivos (treinando e competindo pelo menos uma vez por semana antes da lesão) e foram pareados por sexo e tipo de esporte para garantir comparabilidade.

Discussão

OBS: A curva azul é do grupo controle, a vermelha é do experimental.

Notem que, para quadríceps, os perfis de força em toda a amplitude de movimento foram iguais.

Mas observem o primeiro gráfico, em isquiotibiais:

  • Em angulações estimadas de pico (por volta de 30 graus), há uma intersecção das curvas, são próximas;
  • ⁠Conforme vai dobrando o joelho, chegando próximo de 90 graus, as curvas se dissociam;
  • ⁠Consequentemente, a relação IQ em todo o arco de movimento também vai diminuindo bastante.

Há uma diferença significativa entre as curvas a partir de 65-70 graus, é o demonstrado na segunda linha de gráficos. Na última linha, com cores, quanto maior a diferença entre os grupos, mais azul escuro (no caso). As linhas cinza logo abaixo mostram quando teve diferença significativa entre eles (cinza escuro).

Analisando o gráfico da relação IQ. Notem que os valores, mesmo no grupo controle, ficam abaixo de 60%. Inclusive nas análises de PICO, os valores em si da relação são diferentes do usuais, mesmo com dinamômetro isocinético, olhem a tabela acima para valores de pico.

Resultados

Os resultados do estudo foram consistentes com as hipóteses dos pesquisadores.

Déficits de Força no RTS (ACLR vs. Controles):

  • O perfil de momento-ângulo dos isquiotibiais do grupo ACLR foi significativamente menor entre 65° e 95° de flexão do joelho em comparação com os controles.
  • O perfil de momento-ângulo dos quadríceps não foi significativamente diferente entre os grupos.
  • A relação H/Q ângulo-específica foi significativamente menor no grupo ACLR entre 70° e 95° de flexão do joelho em comparação com os controles.
  • Importante: As análises baseadas em pico (momento de pico dos isquiotibiais e quadríceps, e relação H/Q de pico) não identificaram diferenças significativas entre o grupo ACLR e o grupo controle. Este achado reforça a importância das análises ângulo-específicas.

Assimetrias de Força no RTS (Perna Lesionada vs. Não Lesionada em Atletas com ACLR):

  • O perfil de momento-ângulo dos isquiotibiais da perna lesionada foi significativamente menor em comparação com a perna não lesionada entre 33° e 95° de flexão do joelho.
  • Não houve diferença significativa entre as pernas no perfil de momento-ângulo dos quadríceps no RTS.
  • A relação H/Q ângulo-específica foi significativamente menor para a perna lesionada apenas entre 84° e 95° de flexão do joelho.
  • As análises de valores de pico mostraram um momento de pico dos isquiotibiais significativamente menor para a perna lesionada (p<0.001), mas nenhuma diferença significativa para o momento de pico dos quadríceps ou a relação H/Q baseada em pico.

Evolução das Assimetrias de Força nos Seis Meses Pós-RTS:

  • As análises longitudinais mostraram que as assimetrias de força nos isquiotibiais e quadríceps não se resolveram espontaneamente ao longo do período de seis meses de acompanhamento.
  • Uma fraqueza persistente dos isquiotibiais na perna lesionada foi observada em toda a ROM medida, e uma fraqueza dos quadríceps na perna lesionada foi notada em torno de 60-90° de flexão do joelho (a faixa do momento de pico do quadríceps).
  • A ausência de efeito do tempo ou efeito de interação (perna x tempo) nas análises de medidas repetidas indica que as assimetrias identificadas no RTS persistiram inalteradas.

Conclusão

Este estudo fornece evidências claras de que déficits de força e assimetrias ângulo-específicos persistem em atletas com ACLR mesmo seis meses após o retorno ao esporte. A perna lesionada dos atletas com ACLR apresentou menor força nos quadríceps em torno do ângulo de pico de momento e menor força nos isquiotibiais em quase toda a amplitude de movimento, tanto em comparação com a perna não lesionada quanto com os controles (em ângulos de flexão maiores).

Crucialmente, esses déficits, especialmente nos isquiotibiais em ângulos de flexão maiores, não foram detectados por análises tradicionais baseadas em pico, o que ressalta a necessidade de avaliações ângulo-específicas. A persistência dessas assimetrias, mesmo com a prática esportiva competitiva, sugere fortemente que intervenções adicionais e direcionadas são necessárias após o RTS para restaurar completamente a força.

Referências

HAGEN, Michiel et al. Hamstrings and Quadriceps Weaknesses Following Anterior Cruciate Ligament Reconstruction Persist Up to 6 Months After Return-to-Sport: An Angle-specific Strength Analysis. International Journal of Sports Physical Therapy, v. 20, n. 2, p. [indicar páginas, se disponível no PDF, caso contrário, usar DOI], 2025. DOI: 10.26603/001c.128505.

Leave a Reply