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Voltar ao esporte depois de uma cirurgia de reconstrução do LCA é uma fase importante e que exige atenção. Mais do que respeitar um tempo mínimo de recuperação, é necessário garantir que o atleta esteja funcionalmente e psicologicamente pronto. 

Durante o congresso da Sociedade Nacional de Fisioterapia Esportiva (SONAFE), em 2017, foram apresentados critérios recomendados para esse retorno, com o objetivo de reduzir o risco de re-lesão e garantir segurança no processo. 

Neste artigo, você vai entender melhor quais são os principais questionários, testes físicos e indicadores clínicos usados para orientar a alta de forma criteriosa

Avaliações Funcionais e Psicológicas: Questionários Validados

Os questionários ajudam a medir tanto a percepção do paciente sobre a função do joelho quanto sua confiança para retornar ao esporte.

 

KOS-ADLS (Knee Outcome Survey – Activities of Daily Living Scale)

 

Avalia a funcionalidade do joelho em atividades do dia a dia e na prática esportiva. É uma ferramenta validada em português e bastante usada no meio esportivo.

    • Funcionamento: Apenas os sintomas e as limitações funcionais são considerados para definir o escore. A pontuação para cada item varia de 0 a 5, onde 5 representa a melhor condição e 0 a pior condição.
    • Pontuação Máxima: 70 pontos.
    • Cálculo do Escore (%): (Pontuação Obtida  ÷  70) x 100.
    • Critério de Alta: escore ≥ 90%.

Diferencial: Embora o IKDC também seja válido, a SONAFE destacou o KOS-ADLS por sua maior sensibilidade em atletas.

ACL-RSI (Anterior Cruciate Ligament Return to Sport after Injury Scale)

Esse questionário é focado no aspecto psicológico, especialmente no medo de se machucar novamente (cinesiofobia) — um fator decisivo na volta ao esporte.

    • Pontuação máxima: 120 pontos
    • Cálculo do escore: (Pontuação obtida ÷ 120) × 100
    • Critério de alta: escore ≥ 77%
    • Tempo estimado de preenchimento: cerca de 7 minutos 

Critérios Clínicos: O que observar na Recuperação

Além dos questionários, uma série de testes físicos objetivos são cruciais para avaliar a recuperação funcional, a força muscular, a agilidade e o controle de movimento.

  • Extensão ativa completa de joelho: Avaliada em posição ortostática com goniômetro.
  • Ausência de edema/derrame articular: Avaliada objetivamente por perimetria e subjetivamente por palpação e sinal da tecla da patela.
  • Ausência de dor limitante: Sem dor articular intensa e/ou difusa.
  • Ausência de queixas de falseio do joelho: Nem durante as Atividades de Vida Diária (AVDs) nem em atividades funcionais.
  • Velocidade plena durante a execução de gestos esportivos específicos: O atleta deve conseguir realizar os movimentos do seu esporte em plena velocidade sem queixas limitantes.
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  • Déficit de Força Muscular (LSI – Limb Symmetry Index)

Um dos principais parâmetros usados para liberar o retorno é o LSI (Limb Symmetry Index), que compara a força do membro operado com o não operado.

Como calcular o LSI:
LSI = (Pico de Torque do membro operado ÷ Pico de Torque do membro não operado) × 100

Ferramentas de avaliação:

    • Avaliação isocinética: Considerado o padrão ouro (Pico de Torque a 60º/seg). Tempo aproximado de 20 minutos.
    • Avaliação isométrica no isocinético (CIVM). Tempo aproximado de 18 minutos.
    • Dinamômetro isométrico manual: Realizado sentado, com joelho a 60º de flexão. Tempo aproximado de 25 minutos.
    • Avaliação de 10 Repetições Máximas (RM): Em cadeira extensora/flexora. Tempo aproximado de 25 minutos. (Importante: os dois últimos métodos ainda não são padronizados para pacientes pós-RLCA, mas mostram boa correlação com a avaliação isocinética em indivíduos saudáveis).
    • Critério de Alta:
      Extensores de joelho: LSI ≥ 90.
      Flexores de joelho: LSI ≥ 90

Testes Especiais

 

Hop Tests (Testes de Salto)

Esses testes ajudam a verificar a função da perna de forma mais dinâmica, além de avaliar força, potência e controle durante saltos unilaterais.

  • Funcionamento: São testes que medem a distância ou o tempo de salto. Para distância, o LSI é (MI operado / MI não operado) x 100. Para o “6m timed hop test” (salto de 6m para tempo), o LSI é (MI não operado / MI operado) x 100, pois um tempo menor no membro operado (mais rápido) indica melhor performance. Recomenda-se 1 tentativa de familiarização e 2 tentativas para registro, utilizando a média das 2.
  • Tipos de Testes:
      • Salto Unipodal para Distância (Single Hop Test)

      • Salto Unipodal Triplo para Distância (Triple Hop Test)

      • Salto Unipodal Cruzado para Distância (Cross Over Hop Test)

      • Salto Unipodal em 6m para Tempo (6m Timed Hop Test)

    • Critério de Alta: LSI ≥ 90 para todos os testes.
    • Padrão de Movimento Esperado: Pouco ou nenhum valgismo dinâmico do joelho, bom controle de tronco (evitar flexão lateral) e aterrissagem com bom amortecimento (flexão dos membros inferiores).
    • Observação: Os hop tests podem ser realizados a partir do 5º mês de pós-operatório, desde que o paciente apresente LSI ≥ 80 no teste de força (o LSI para alta é ≥ 90) e bom controle de salto e aterrissagem durante o tratamento.

Teste de Agilidade em Figura de “T”

Este teste mede a capacidade de mudar de direção com velocidade e controle — essencial em esportes de alta exigência.

    • Funcionamento: Este teste envolve uma série de movimentos em uma figura de “T” no menor tempo possível.
    • Critério de Alta: Tempo de execução < 11 segundos.
    • Observação: Embora não tenha sido desenvolvido como um teste isolado para retorno ao esporte, faz parte de uma bateria de testes.

Tempo de Retorno ao Esporte

A sugestão da mesa redonda da SONAFE é que o retorno ao esporte ocorra entre 6 e 9 meses, com o atleta atingindo as notas mínimas em todos os critérios acima.

É crucial observar que o tempo isolado não é o único fator. Estudos, como o de Grindem et al. (2016), demonstram que o índice de re-lesão foi de 19,4% quando o retorno ocorreu após 9 meses, mas aumentou para 39,5% quando o retorno foi antes dos 9 meses. No entanto, a observação da SONAFE reforça que para o retorno entre 6 e 9 meses, o atleta deve atingir todos os critérios de alta, e esses critérios devem ser adaptados às demandas biomecânicas de cada modalidade esportiva.

Conclusão

O Voltar ao esporte após uma cirurgia de LCA não depende apenas do tempo passado desde o procedimento. A liberação deve considerar aspectos físicos, funcionais e psicológicos com base em critérios objetivos e protocolos bem definidos.

Seguir as recomendações da SONAFE e aplicar testes confiáveis ajudam a reduzir os riscos e a garantir que o retorno seja realmente seguro, completo e sustentável.

 

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