A dor no quadril é uma queixa comum que pode afetar significativamente a qualidade de vida, especialmente em adultos jovens e ativos. Uma das condições que vem ganhando crescente reconhecimento é a Síndrome do Impacto Femoroacetabular (SIFA), anteriormente conhecida apenas como Impacto Femoroacetabular (IFA). Mas o que exatamente é a SIFA e como ela pode ser diagnosticada e tratada?
Para esclarecer esses pontos, a comunidade internacional de especialistas publicou em 2016 o Acordo de Warwick sobre a Síndrome do Impacto Femoroacetabular, um consenso multidisciplinar importantíssimo para contextualização. Este acordo, que contou com 22 especialistas e pesquisadores de 9 países e 5 especialidades, estabeleceu diretrizes claras sobre a definição, diagnóstico e manejo da condição.
Assista como realizar os testes com dinamômetro em casos de SIFA
O que é a Síndrome do Impacto Femoroacetabular (SIFA)?
De acordo com o Consenso de Warwick, a SIFA é um distúrbio clínico do quadril relacionado ao movimento, definido por uma tríade de sintomas, sinais clínicos e achados de imagem. Ela representa um contato prematuro sintomático entre o fêmur proximal (osso da coxa) e o acetábulo (parte do osso do quadril).
É crucial entender que o termo “síndrome” foi introduzido para enfatizar o papel central dos sintomas do paciente. Isso diferencia a condição de meras morfologias de cam ou pincer, que são achados de imagem caracterizados por formações ósseas excessivas na cabeça do fêmur ou na cobertura do acetábulo, mas que podem ser totalmente assintomáticas em muitas pessoas.
Sintomas da SIFA
O sintoma primário da SIFA é a dor no quadril ou virilha, tipicamente relacionada ao movimento ou à posição. No entanto, a dor pode se manifestar em diversas áreas, incluindo a parte lateral do quadril, coxa anterior, glúteo, joelho, região lombar ou coxa posterior.
A dor é frequentemente agravada por atividades ou posições que causam movimento, como:
- Atividades vigorosas (ex: futebol).
- Movimentos suprafisiológicos (ex: dança, ginástica).
- Períodos prolongados sentado.
- Agachamento, subir e descer escadas, ou outras atividades de flexão do joelho.
Além da dor, os pacientes podem relatar outros sintomas mecânicos, como estalidos, “fisgadas” (catching), travamento, rigidez ou falseio do quadril. Geralmente, os sintomas não são leves; são muitas vezes severos e limitantes nas atividades diárias.
Sinais Clínicos
O diagnóstico da SIFA não depende de um único sinal clínico, mas sim de uma avaliação abrangente do quadril e da virilha. Os testes de impacto do quadril são comumente utilizados e devem reproduzir a dor familiar do paciente para serem considerados positivos.
O teste de flexão-adução-rotação interna (FADIR) é o mais comum, sendo sensível (geralmente positivo quando a SIFA está presente), mas não específico (frequentemente positivo mesmo quando a SIFA não é o diagnóstico correto). Por isso, ele necessita de apoio de exames de imagem.
É comum observar limitação da amplitude de movimento (ADM) do quadril, especialmente restrição da rotação interna em flexão. Além disso, a fraqueza muscular ao redor do quadril é uma característica frequente em pessoas com SIFA.
A avaliação clínica deve incluir o exame da marcha, controle do quadril, sensibilidade muscular ao redor do quadril e ADM do quadril, incluindo rotação interna em flexão. É fundamental também examinar a virilha para descartar outras condições que possam causar dor similar.
Achados Radiológicos: As Morfologias de Cam e Pincer
A avaliação morfológica do quadril é fundamental para diagnosticar a SIFA. Inicialmente, são realizadas radiografias anteroposteriores da pelve e uma vista lateral do colo femoral do quadril sintomático para obter uma visão geral dos quadris, identificar morfologias cam ou pincer e excluir outras causas de dor no quadril.
• A morfologia Cam refere-se a uma convexidade ou achatamento na junção cabeça-colo femoral. Ela é caracterizada por uma formação óssea excessiva. O ângulo alfa é a medida mais relevante para identificar essa morfologia.
• Ângulo alpha:

• A morfologia Pincer refere-se à cobertura excessiva (global ou focal) da cabeça femoral pelo acetábulo. Os achados mais relevantes para o pincer são o sinal de cross-over e o ângulo centro-borda.
• Ângulo centro-borda:

• Sinal do Cross-Over (cruzamento das linhas da parede posterior e anterior):

É importante notar que o Consenso de Warwick não conseguiu recomendar valores diagnósticos precisos para a morfologia cam ou pincer na prática clínica de rotina. Isso ocorre porque o impacto é o resultado de uma interação complexa entre o acetábulo e o fêmur proximal durante o movimento, e uma única medida não consegue capturar toda essa complexidade. Uma proporção substancial da população geral pode apresentar morfologias cam ou pincer sem quaisquer sintomas.
Quando uma avaliação mais aprofundada da morfologia do quadril e de lesões associadas na cartilagem e no labrum é desejada, a imagem de secção transversal (tomografia computadorizada ou ressonância magnética) é apropriada.
Tratamento e Prognóstico da SIFA
A SIFA pode ser tratada com cuidados conservadores, reabilitação ou cirurgia. A escolha do tratamento deve ser feita em um processo de tomada de decisão compartilhada entre o paciente e a equipe médica.
• Cuidados conservadores podem incluir educação do paciente, modificação de atividades e estilo de vida, uso de analgésicos orais e injeções de esteroides intra-articulares.
• A reabilitação, liderada por fisioterapeutas, visa melhorar a estabilidade do quadril, o controle neuromuscular, a força, a amplitude de movimento e os padrões de movimento.
• A cirurgia, que pode ser aberta ou artroscópica, busca corrigir a morfologia do quadril para permitir movimentos livres de impacto e reparar tecidos danificados, como o labrum ou a cartilagem articular.
Em relação ao prognóstico, pacientes tratados para SIFA frequentemente relatam melhora dos sintomas e retorno à atividade plena, incluindo esportes. No entanto, sem tratamento, os sintomas da SIFA provavelmente piorarão com o tempo. O panorama a longo prazo para pacientes com SIFA ainda é desconhecido. Sabe-se que a morfologia cam está associada à osteoartrite do quadril, mas ainda não se sabe se o tratamento da SIFA previne essa condição. É raramente indicada a cirurgia para indivíduos assintomáticos com morfologia cam ou pincer, pois não há evidências de que altere o risco de desenvolver SIFA ou osteoartrite.
Achados Recentes em Pesquisas sobre SIFA
Três estudos recentes fornecem informações valiosas sobre a relação entre força muscular, biomecânica e resultados do tratamento na SIFA:
Mentiplay et al. (2022) – Relação entre força muscular do quadril e biomecânica durante a corrida em pessoas com SIFA
Este estudo explorou as relações entre a força muscular do quadril e a biomecânica do quadril durante a corrida em indivíduos com Síndrome do Impacto Femoroacetabular (SIFA). Quarenta e dois adultos com SIFA unilateral (com ângulo alfa ≥60°) participaram, tendo sua força muscular (flexores, extensores, abdutores, adutores, rotadores internos e rotadores externos) avaliada com um dinamômetro de mão. A biomecânica do quadril durante a corrida (3–3,5 m/s) foi analisada usando captura de movimento tridimensional e uma plataforma de força.
Os achados indicaram uma relação negativa significativa entre a força dos rotadores externos do quadril e a amplitude de movimento (ADM) no plano frontal, independentemente do sexo. Isso sugere que indivíduos com SIFA que possuem rotadores externos do quadril mais fortes demonstram menos movimento no plano frontal durante a fase de apoio da corrida. Além disso, foram observadas quatro interações significativas específicas por sexo. Uma delas foi uma relação positiva significativa entre a força dos rotadores externos do quadril e o pico de momento de extensão do quadril em mulheres, mas não em homens. Isso significa que mulheres com rotadores externos mais fortes apresentavam um momento de extensão do quadril maior na fase final do apoio. Embora poucas relações tenham sido estatisticamente significativas, esses achados sugerem que a força dos rotadores externos do quadril pode estar associada aos padrões de movimento em pessoas com SIFA, o que poderia orientar futuras estratégias de tratamento baseadas em exercícios.
Arslan & Gültekin (2023) – Deformidade Cam-Pincer como fator predisponente para a Síndrome da Dor Patelofemoral?
Este estudo investigou se as deformidades tipo cam e pincer (CPDs) são um fator de risco para a Síndrome da Dor Patelofemoral (PFPS) em mulheres. Foram avalados 82 quadris de 41 mulheres com PFPS, com idade média de 32,07 anos. A presença de CPDs foi detectada por radiografias anteriores da pelve. A dor foi avaliada pela escala visual analógica (EVA), e a função, pelo sistema de pontuação de Kujala. A força muscular isométrica máxima ao redor dos quadris foi medida com um dinamômetro de mão, e os ângulos da amplitude de movimento do quadril foram medidos com um goniômetro universal.
Os resultados mostraram que as CPDs podem ser um fator predisponente estrutural para o desenvolvimento da PFPS em mulheres. A taxa de CPDs foi significativamente maior em extremidades com PFPS em comparação com aquelas sem PFPS. Deformidades cam foram encontradas em 77,8% das extremidades com PFPS e pincer em 73,5%. O risco de PFPS foi quatro vezes maior em mulheres com deformidade cam e duas vezes maior naquelas com deformidade pincer.
Em relação à força muscular, a relação força muscular rotação interna/rotação externa foi maior, e a relação força muscular abdução/adução foi menor em extremidades com deformidade cam e PFPS. Isso sugere que a deformidade cam pode desequilibrar a força muscular na abdução/adução e rotação externa/interna. Quanto à deformidade pincer, os valores de amplitude de movimento de rotação externa e abdução foram significativamente menores em extremidades com pincer e PFPS, enquanto a relação de força muscular rotação interna/rotação externa foi maior. Esses achados indicam que a deformidade cam e pincer podem causar PFPS ao desequilibrar a força muscular do quadril e limitar a rotação e abdução do quadril, aumentando o estresse na articulação patelofemoral. Além disso, os escores de função de Kujala foram significativamente menores em extremidades com deformidade pincer.
Nanri et al. (2025) – Fraqueza muscular pré-operatória como fator de risco para dor persistente após artroscopia de quadril para SIFA
Este estudo retrospectivo investigou o efeito da força muscular pré-operatória na dor persistente após artroscopia de quadril em pacientes com Síndrome do Impacto Femoroacetabular (SIFA). Setenta e oito pacientes que passaram por artroscopia de quadril para SIFA foram incluídos, com acompanhamento de pelo menos um ano. A força dos abdutores do quadril e do quadríceps foi avaliada no lado afetado usando um dinamômetro de mão aproximadamente duas semanas antes da cirurgia. A dor foi avaliada pela escala visual analógica (VAS) e os resultados relatados pelo paciente (PRO) usando o Questionário de Avaliação da Doença do Quadril da Associação Ortopédica Japonesa (JHEQ).
Os resultados mostraram que 16 (20,5%) dos 78 pacientes apresentaram dor persistente (VAS ≥30) um ano após a cirurgia. Foi encontrada uma associação significativa entre baixa força pré-operatória dos abdutores do quadril e do quadríceps e dor persistente após a artroscopia, mesmo após ajuste para idade, sexo e escore VAS pré-operatório. Além disso, a baixa força pré-operatória desses músculos também foi associada a escores JHEQ mais baixos (indicando pior função) um ano após a cirurgia.
Esses achados apoiam a hipótese de que a fraqueza muscular pré-operatória influencia a dor persistente após a artroscopia. O estudo sugere que déficits na força muscular pré-operatória podem ajudar a identificar pacientes em risco de piores resultados pós-operatórios, facilitando a triagem para reabilitação pré-cirúrgica direcionada. A fraqueza muscular é uma característica comum em pacientes com SIFA, e fortalecer os músculos do quadril (especialmente abdutores) antes da cirurgia é fundamental para o sucesso cirúrgico, pois a fraqueza muscular pode levar a dor persistente ao continuar a sobrecarregar a articulação do quadril.
Conclusão
Com base nos dados apresentados, podemos concluir que a Síndrome do Impacto Femoroacetabular (SIFA) é um distúrbio clínico complexo do quadril, caracterizado por uma tríade de sintomas, sinais clínicos e achados de imagem, que representam o contato prematuro sintomático entre o fêmur proximal e o acetábulo. É crucial utilizar o termo “SIFA síndrome” para enfatizar a necessidade da presença de sintomas, distinguindo-a de meras morfologias cam ou pincer assintomáticas.
A diagnose da SIFA exige uma avaliação cuidadosa, começando por radiografias simples da pelve e do colo femoral para identificar morfologias como o cam (convexidade na junção cabeça-colo femoral, avaliada pelo ângulo alfa) e o pincer (cobertura excessiva do acetábulo, avaliada pelo sinal de cross-over e ângulo centro-borda). No entanto, o Consenso de Warwick não conseguiu recomendar valores diagnósticos precisos para essas morfologias na prática clínica de rotina, ressaltando que o impacto é uma interação complexa durante o movimento, e uma única medida não captura essa complexidade. A avaliação muscular e dos padrões de movimento também é fundamental, pois pacientes com SIFA frequentemente apresentam fraqueza muscular no quadril e padrões de movimento alterados.
As opções de tratamento para a SIFA incluem cuidados conservadores, reabilitação e cirurgia, sendo a escolha idealmente definida em um processo de tomada de decisão compartilhada entre paciente e equipe médica. Embora o tratamento possa levar à melhora dos sintomas e ao retorno às atividades, o prognóstico a longo prazo em relação à prevenção da osteoartrite do quadril ainda é incerto, apesar da conhecida associação da morfologia cam com a osteoartrite. A cirurgia é raramente indicada para indivíduos assintomáticos com morfologia cam ou pincer, pois não há evidências de que previna o desenvolvimento da SIFA ou da osteoartrite.
Pesquisas recentes continuam a aprofundar nossa compreensão sobre a SIFA e suas relações:
• O estudo de Mentiplay et al. (2022) revelou uma relação significativa entre a força dos rotadores externos do quadril e a biomecânica da corrida em pessoas com SIFA. Indivíduos com rotadores externos mais fortes demonstraram menos movimento no plano frontal durante a fase de apoio da corrida, e em mulheres, rotadores externos mais fortes estiveram associados a um maior pico de momento de extensão do quadril no final da fase de apoio. Isso sugere que o fortalecimento desses músculos pode ser um alvo importante em estratégias de reabilitação.
• A pesquisa de Arslan & Gültekin (2023) identificou que deformidades tipo cam e pincer podem ser fatores predisponentes para a Síndrome da Dor Patelofemoral (PFPS) em mulheres. A deformidade cam foi associada a um desequilíbrio na força muscular de abdução/adução e rotação externa/interna, com menor força de abdutores e rotadores externos, enquanto a deformidade pincer foi ligada à menor amplitude de movimento de rotação externa e abdução, e também a um desequilíbrio de força de rotação. Isso aponta para a importância de avaliar as deformidades do quadril ao investigar as causas da PFPS.
• Finalmente, o estudo de Nanri et al. (2025) demonstrou que a baixa força pré-operatória dos músculos abdutores do quadril e do quadríceps é um fator de risco para dor persistente e piores resultados um ano após a artroscopia de quadril para SIFA. Isso reforça a importância fundamental do fortalecimento muscular (especialmente abdutores do quadril e quadríceps) antes da cirurgia para otimizar os resultados pós-operatórios e reduzir a dor persistente.
Em suma, a SIFA exige uma abordagem multidisciplinar e individualizada. A compreensão das complexas interações entre a morfologia óssea, a força muscular e a biomecânica durante o movimento é essencial para o diagnóstico e o desenvolvimento de estratégias de tratamento eficazes, com a pesquisa contínua fornecendo insights valiosos para aprimorar a gestão dessa condição.
Referências
Arslan, T., & Gültekin, M. Z. (2023). Is Cam Pincer Deformity a Predisposing Factor for Patellofemoral Pain Syndrome?. Indian Journal of Orthopaedics, 57(7), 1139–1146.
Griffin, D. R., Dickenson, E. J., O’Donnell, J., Agricola, R., Awan, T., Beck, M., … & Bennell, K. L. (2016). The Warwick Agreement on femoroacetabular impingement syndrome (FAI syndrome): an international consensus statement. British Journal of Sports Medicine, 50(19), 1169–1176.
Mentiplay, B. F., Kemp, J. L., Crossley, K. M., Scholes, M. J., Coburn, S. L., Jones, D. M., … & King, M. G. (2022). Relationship between hip muscle strength and hip biomechanics during running in people with femoroacetabular impingement syndrome. Clinical Biomechanics, 92, 105587.
Nanri, Y., Nozaki, K., Maeda, T., Masuma, H., Nihei, M., Uchiya, T., … & Fukuda, M. (2025). Preoperative muscle weakness is a risk factor for persistent pain 1 year after hip arthroscopy for femoroacetabular impingement syndrome. PM & R, 17(2), 1-9